Tradução de artigo de Martin Lucaks publicado no jornal inglês The Guardian em 17/7/2017.
O
neoliberalismo nos convenceu a combater
as mudanças climáticas como indivíduos
Pare com
a obsessão de viver sua vida da forma mais "verde" possível - e comece
a agir coletivamente para tomar o poder das corporações.
Você
aconselharia alguém a combater um incêndio assoprando as chamas? Ou a usar um
mata-moscas em meio a um tiroteio? Pois bem, os conselhos que ouvimos para
combater a mudança climática dificilmente poderiam estar mais fora de sintonia
com a natureza da crise ambiental que estamos vivendo.
Um e-mail
que recebi na semana passada me oferecia 30 sugestões para tornar meu
escritório mais verde: usar canetas reutilizáveis, redecorar com cores claras,
parar de usar o elevador. Chegando em casa, eu poderia continuar com
outras opções: trocar as lâmpadas, comprar legumes locais, comprar
eletrodomésticos com menor consumo de energia, colocar um painel solar no
telhado. E um estudo divulgado na quinta-feira afirmou ter descoberto a
melhor maneira de lutar contra as mudanças climáticas: eu deveria desistir ter
filhos.
Essas
pervasivas exortações para ações individuais - em anúncios corporativos, livros
escolares e nas campanhas dos principais grupos ambientais, especialmente no
Ocidente - parecem tão naturais quanto o ar que respiramos. Mas dificilmente
poderíamos estar mais enganados.
Enquanto
nos ocupamos de nossa vida pessoal, as corporações que exploram os combustíveis
fósseis tornam nossos esforços individuais irrelevantes. Sabe o incrível
aumento das emissões de carbono verificado desde 1988? Pois uma centena de
empresas sozinhas são responsáveis por 71% de toda essa emissão. Você se
preocupa com suas canetas ou suas lâmpadas; eles continuam incendiando o
planeta.
A
liberdade dessas empresas para poluir - e nossa fixação numa frágil mudança de
estilo de vida - não é um acidente. É o resultado de uma guerra ideológica,
travada nos últimos 40 anos, contra a possibilidade de ação coletiva. Tem sido
devastadoramente bem-sucedida, mas não é tarde demais para ser revertida.
O projeto
político do neoliberalismo, que ganhou força com Thatcher e Reagan, perseguiu
dois objetivos principais. O primeiro tem sido o de desmantelar quaisquer
barreiras que impeçam o irrestrito exercício do poder privado. O segundo
objetivo tem sido o de erigir barreiras que impeçam o exercício de qualquer
vontade pública democrática. Suas políticas comerciais de privatização,
desregulamentação, cortes de impostos e acordos de livre comércio liberaram as
corporações para acumular lucros enormes e tratar a atmosfera como se fosse seu
esgoto, além de limitar nossa capacidade, por meio do Estado, de planejar nosso
bem-estar coletivo.
Qualquer
coisa que se assemelhe a um controle coletivo sobre o poder corporativo
tornou-se um alvo da elite: o lobby e as doações corporativas, enfraquecendo as
democracias, obstruíram as políticas verdes e mantiveram os subsídios para os
combustíveis fósseis. Por outro lado, os direitos de associações como
sindicatos, o meio mais eficaz para que os trabalhadores exerçam seu poder em
conjunto, têm sido restringidos cada vez mais.
No exato
momento em que a mudança climática exige uma resposta pública coletiva sem
precedentes, a ideologia neoliberal está no meio do caminho. É por isso que, se
queremos diminuir as emissões rapidamente, precisaremos superar todos os
mantras de mercado livre: fazer com que as ferrovias, os serviços públicos e as
redes de energia voltem ao controle público; regular as empresas para promover
uma gradual eliminação dos combustíveis fósseis; e aumentar os impostos para
pagar o investimento maciço que se faz necessário para a implantação de uma
infraestrutura sustentável e para a energia renovável - para que assim os
painéis solares possam estar no telhado de todos, não apenas nas casas daqueles
poucos que hoje podem pagar.
O
neoliberalismo não se limitou a garantir que essa agenda fosse inviabilizada
politicamente: também tentou torná-la culturalmente impensável. Sua celebração
do interesse próprio competitivo e do hiper-individualismo, sua estigmatização
da compaixão e da solidariedade desgastaram nossos laços coletivos. Espalhou-se,
como uma insidiosa toxina antissocial, a ideia pregada por Margaret Thatcher:
"Não existe essa coisa chamada sociedade."
Estudos
mostram que as pessoas que cresceram sob essa era tornaram-se mais
individualistas e consumistas. Imersos numa cultura que nos diz para pensarmos
em nós mesmos como consumidores e não como cidadãos, como seres autossuficientes
em vez de interdependentes, não surpreende que lidemos com uma questão
sistêmica por meio de ineficazes esforços individuais. Somos todos filhos de
Thatcher.
Mesmo
antes do advento do neoliberalismo, a economia capitalista já tinha alcançado
êxito em fazer as pessoas acreditarem que ser afligido pelos problemas
estruturais de um sistema de exploração - pobreza, desemprego, falta de saúde,
falta de realização - é, na verdade, uma deficiência pessoal.
O
neoliberalismo tomou essa culpa internalizada e o tornou-a ainda mais forte.
Diz que você não deve apenas sentir culpa e vergonha por não conseguir um bom
trabalho, por estar endividado e muito estressado ou ainda tão assoberbado de
trabalho que não tem tempo para os amigos. Agora você também é responsável por
suportar o fardo do potencial colapso ecológico.
É lógico
que precisamos que as pessoas consumam menos e criem alternativas para reduzir
as emissões de carbono - construindo fazendas sustentáveis, aperfeiçoando o
armazenamento de baterias, difundindo métodos que não gerem resíduos. Porém, as
escolhas individuais irão contar mais quando o sistema econômico puder oferecer
opções viáveis e ambientais para todos - não apenas para uns poucos ricos e
intrépidos.
Se não é
disponibilizado um transporte público de massa, as pessoas têm de se deslocar
com carros. Se os alimentos orgânicos locais são muito caros, as pessoas
continuam comprando nas cadeias de supermercados que vendem produtos mais
baratos, produzidos com uso intensivo de combustíveis fósseis. Se a produção em
massa de produtos baratos segue sem parar, as pessoas vão comprar, comprar e
comprar. Este é o trabalho de neoliberalismo: persuadir-nos a abordar as
mudanças climáticas através dos nossos livros de bolso, e não através do poder
e da política.
O
eco-consumismo pode ajudar a expiar sua culpa. Mas são apenas movimentos de
massa que têm o poder de alterar a trajetória da crise climática. Isso exige de
nós primeiro uma resoluta libertação em relação ao feitiço lançado pelo
neoliberalismo: parar de pensarmos apenas como indivíduos.
A boa
notícia é que o impulso dos seres humanos para se unir é inextinguível - e a
imaginação coletiva já está propiciando alguma resposta política. O movimento
pela justiça climática tem bloqueando oleodutos, forçado o desinvestimento de
trilhões de dólares e ganhado apoio para a política de adoção de energia 100%
limpa em cidades e estados de todo o mundo. Novos laços estão sendo
estabelecidos com o movimento Black Lives Matter, com a defesa dos
direitos dos imigrantes e indígenas e as lutas por melhores salários. Na
sequência de tais movimentos, há partidos políticos que parecem finalmente
dispostos a desafiar o dogma neoliberal.
Um bom
exemplo dessa reação é Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista inglês, cujo
Manifesto propôs um projeto redistributivo para lidar com as mudanças
climáticas, reestruturando a economia e impedindo que os oligarcas
corporativos continuem agindo sem controle. A ideia de que os ricos deveriam
pagar sua parcela justa para financiar essa transformação foi considerada uma
piada pela classe política e pela mídia. Porém, milhões não concordaram com
essa visão. A sociedade, que há muito se dizia que tinha desaparecido, está de
volta - e com um plano de vingança.
Portanto,
plante suas cenouras e ande de bicicleta: isso tornará você mais feliz e
saudável. Mas é hora de parar com a obsessão sobre quão "verde" cada
um de nós é individualmente - e começar a retomar o poder que está nas mãos das
corporações.
Martin Lukacs - The Guardian - 17/07/2017
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