19 de novembro de 2010

Dica de leitura: Escrita, leitura e i(nc)lusão digital, de Dino del Pino

Duas capas, dois livros em um
Conheci a obra do escritor Dino del Pino há uns 25 anos, quando era estudante de Letras e trabalhava em Porto Alegre. Seis dias por semana eu rumava para meu trabalho na antiga Caldas Júnior e, dentro dos então modernos trens, lia de tudo: comédias de Plauto, tragédias de Ésquilo, obras de Cícero e Sêneca, livros de psicologia da educação ou sobre teoria literária... Foi uma época em que eu construí a estrutura de meus conhecimentos sobre linguística, literatura e educação. Entre essas obras, lá estavam livros de Dino del Pino sobre teoria da literatura. Depois conheci seus livros didáticos voltados para o Ensino Médio, anos luz à frente de tudo o que havia àquela época. Suas obras não menosprezam a inteligência do leitor, resultam de profundos mergulhos reflexivos, mesmo quando, didaticamente, tratam da literatura para o público adolescente.

Agora, um quarto de século depois, descubro que Dino del Pino lançou novo livro, com direito a sessão de autógrafos na Feira do Livro de Porto Alegre. Bem, um livro...ou dois? A obra, de fato, escapa às tentações classificatórias, parecendo se originar sob o signo de Gêmeos: tem duas capas e dois propósitos, que às vezes se intercalam, às vezes se mesclam. Em cada capítulo, del Pino dedica um espaço para compartilhar com os leitores seus conhecimentos profissionais sobre como tirar o máximo proveito de processadores de texto, como o Word, de forma a organizar leituras, pesquisas e produções escritas. Essa é a face da obra que cumpre papel de "autoajuda análogo-digital". Mas, lembrem, ler esses trechos que se aproximam do manual, neste caso, leva o leitor a uma jornada muito mais longa do que um manual tradicionalmente nos leva: a experiência é similar à de ler o relatório da prefeitura de Palmeira dos Índios escrito por Graciliano Ramos quando este era prefeito da pequena cidade alagoana. Um relatório ou manual redigidos por um escritor põem em cheque os paradigmas dos gêneros textuais.

Para além desse transcendente manual, encontra-se outro livro dentro do livro: uma rica reflexão sobre a (falsa?) dicotomia digital x analógico. Seguindo a tradição de Sócrates, o autor interage com personagens, construindo diálogos plenos de ironia e sutis provocações, que muitas vezes começam com conceitos teóricos para então interpretarem fatos e ideias contemporâneos. O século XXI, o ano de 2010 estão vivos dentro da obra, observados pelo olhar crítico do autor e de seus insólitos interlocutores.

Há, realmente, dois livros dentro de uma só obra. Dependendo dos interesses do leitor, pode-se romper com a linearidade da leitura buscando unir sequências que, juntas, acabam por se constituir num manual de ajuda para quem precisa organizar suas leituras e produções textuais digitais. De forma alternativa ou complementar, a não linearidade da leitura pode levar o desavisado leitor a descobrir outra obra, que, em vez de prescrever, semeia a dúvida, mina certezas, a exemplo do que se fazia nos primórdios do pensamento filosófico. Volta-se ao passado, na forma e no conteúdo, para, talvez, descobrir que o digital não é algo tão novo como se costuma pensar.

Escrita, leitura e i(nc)lusão digital é uma publicação da editora AGE.

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