Sal, Maio, Fogo. Que sabemos nós de Cabo Verde?
Como podemos saber se não nos damos conta nem das vidas das pessoas que moram nos bairros e vilas ao nosso redor?
Depois de alguns anos, viajo para uma cidade próxima e sigo por uma estrada pela qual não andava há muitos anos, uma rodovia que corta os subúrbios de várias cidades da região metropolitana. Quase não acredito no que vejo. Onde antes havia campos e fazendas, agora há casas e mais casas, ruas e mais ruas, que se estendem para além de onde a vista alcança. Por alguns segundos, percebo um mundo que é muito maior do que minha mente e meu coração. Ali não há apenas casas e ruas: são milhares de consciências, com seus desejos, sonhos, temores e lembranças, milhares de pessoas que eu e tu solenemente ignoramos e para as quais igualmente não existimos. Elas vivem, como eu e tu. Elas existem.
Cabo Verde está tão longe... Quinhentos quilômetros separam o arquipélago da costa da África. A África estão tão longe... As 18 ilhas de Cabo Verde parecem perdidas no meio de um Atlântico que nos é puro desconhecimento. Fogo, Maio e Sal são os breves nomes de algumas das ilhas onde habitam cerca de 420 mil almas. Que sabemos deles?
Neste exato momento, fim de noite de domingo aqui, a madrugada de segunda flui lentamente sobre as áridas ilhas de Cabo Verde. Na imensidão da noite, na imensidão do Atlântico, Cabo Verde parece um sonho, um exercício de imaginação. Mas para a criança que acorda neste instante para tomar um copo d'água em Assomada, um pequeno povoado no interior da ilha de Santiago, nada é mais real que seu copo, sua casa, sua família, sua pobreza talvez, sua ilha. Para essa criança, eu e tu não existimos. Estamos muito além de sua consciência e de seu coração. Para bilhões de pessoas deste planeta, eu e tu não passamos de ilhas longínquas, quase imaginárias, perdidas no oceano da vida. Somos Cabo Verde.