Houve, 2500 anos atrás, uma garota que nasceu, viveu e morreu em Atenas. Não há qualquer registro histórico de que tenha existido, mas a vida foi tão real para ela como é para ti agora. Aos dez anos, nossa garota brincava de boneca, aprendia a tecer, participava dos festivais religiosos, temia as guerras e à noite orava para a deusa Atena. Sua beleza e sua educação eram o orgulho de seus pais. Seu bom humor era a alegria da família. Posso imaginá-la de túnica branca e sandálias, com seu longo cabelo escuro e seus grandes olhos bebendo a vida, como Ifigênia em Áulis. Posso imaginá-la pensando que o tempo passava muito devagar nas quentes tardes do verão grego. Posso imaginá-la pensando no futuro, em como seria sua festa de casamento, nos filhos que teria. Posso também imaginar os sutis temores existenciais que a assaltavam vez que outra e que ela tentava desfazer na chama de sua politeísta fé.
Essa garota existiu. Seus pais, seus irmãos, seus tios, filhos, netos também existiram. Mas, vê só, tu nada sabes dela, ninguém nada sabe dela ou de sua família. Onde está seu túmulo? Onde está uma referência a ela num livro de história clássica? Nada sobrou de sua existência que tenha chegado à nossa consciência. É verdade que parte de suas cinzas se transformaram mais tarde em videiras, que se transformaram em uva, em vinho, que foi bebido por outra garota, que deu a luz a mais uma moça, num ciclo sem fim. É verdade que o que ela disse ou fez influenciou o pensamento ou o destino de muitas pessoas que com ela conviviam. Mas também é verdade que sua vida se perdeu na história, os rastros de sua existência foram se apagando ao passar de cada segundo, de cada minuto, sob o peso das ações e pensamentos de bilhões de seres humanos que nasceram e morreram depois dela.
Tu me perguntas o que tens a ver com essa menina. E eu te digo que talvez, daqui 2500 anos, tu sejas a garota ou o garoto cuja existência não passe de uma hipótese no raciocínio de gente especulando sobre a passagem do tempo. Pensando bem, não será toda a humanidade, daqui milhões ou bilhões de anos, também uma garota ateniense na história do universo?
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