São sete da tarde em São Leopoldo, cinco da manhã em Shanghai. Aqui, primavera; lá, outono. Embora a China freqüente as páginas dos nossos jornais e revistas graças a seu espantoso crescimento econômico, pouco sabemos sobre como vivem as pessoas que estão no centro ou à margem desse desenvolvimento.
Tenho informações de que, lá, os operários trabalham 12 horas por dia, sete dias por semana, folgando apenas nos feriados e recebendo salários entre 50 e 100 dólares mensais. A atividade sindical é proibida, e aqueles que ousam fazer as mais singelas reivindicações são condenados a vários anos de prisão. Um único partido governa o país, a imprensa e a internet são censuradas. O comunismo aliou-se ao capitalismo: do comunismo, permaneceu a ditadura opressora; o capitalismo da China, por sua vez, lembra aquele do início da Revolução Industrial. Por tudo isso, não deve nos surpreender que grandes empresas do mundo todo estejam se transferindo para a China: o custo da produção é muito mais baixo num país em que, por uns poucos dólares, trabalha-se de sol a sol todos os dias da semana e onde o progresso econômico permite agressões ao meio ambiente que não são mais toleradas na maior parte do planeta. Numa economia globalizada, o milagre econômico chinês faz evaporar postos de trabalho no Brasil e em muitos outros países onde o capitalismo precisa conviver com direitos trabalhistas e legislações ambientais. Tudo indica que vai demorar muito para os chineses conhecerem a democracia, pois os ventos da liberdade colocariam em risco o lucro fácil que o capital internacional busca na China.
Para além dos fatos e das opiniões, mantém-se minha curiosidade sobre a vida daqueles que vivem nesse cenário de transformações. Procurei, nos últimos dias, livros sobre a China e encontrei publicações de dois tipos: livros que louvam o milagre econômico chinês e arriscam apresentá-lo como modelo para outras nações (ai de nós!) e livros que apresentam relatos de viagem feitas dez ou vinte anos atrás, precocemente envelhecidos frente a tão aceleradas mudanças. Foi em blogs que consegui encontrar outros olhares sobre a China: é verdade que são visões de estrangeiros, mas pelo menos são olhares contemporâneos, críticos, de gente que está lá, respirando o ar do Oriente. Um repórter do jornal francês Liberation, Pierre Haski, mantém um interessante blog jornalístico sobre a China, Mon journal de Chine - finalista de um concurso da Deutsche Welle sobre os melhores blogs jornalísticos em várias línguas. Um olhar prosaico da vida de um estrangeiro em Pequim pode ser encontrado em China Life Blog, criação de um jovem professor norte-americano, Shawn Matthews, que está há poucos meses trabalhando em uma escola na capital chinesa e conta, com textos e muitas fotos, seu dia-a-dia naquela cidade. Também recomendo um passeio pelo China Blog List.com, site com links para blogs sobre a China. Ainda estou à procura de blogs escritos por chineses em alguma língua que eu possa entender.
Para além das barreiras lingüísticas e da minha preocupação com a perversa aliança chinesa entre comunismo e capitalismo, tenho de reconhecer que é fantástico o potencial dos blogs: se conseguimos separar o joio do trigo, podemos ter contato com uma riqueza de experiências e opiniões que há pouco tempo não iam além de um estreito círculo de relacionamentos e agora se abrem para o mundo. Seria bom poder acreditar que a multiplicação e descentralização dos canais de comunicação ajudarão as causas da liberdade e da igualdade, aqui ou na China. Porém, a história da humanidade parece nos dizer que é mais recomendável um ceticismo com pitadas de esperança do que um idealismo que nega a realidade. Boa noite, Brasil. Bom dia, China.